Era uma cobra jovem e feliz. Gostava de apanhar sol com as amigas, ouvir a discografia do Tony que ecoava das janelas vizinhas e ver as montras na baixa. Não era um grande espécime, mas dava para o gasto. Afligia-a matar outros animais para comer. Houve tempos em que até pensou tornar-se vegetariana mas, sem suplementos vitamínicos, uma anemia estragou-lhe os planos. Gertrudes (assim a mãe cobra lhe havia chamado) lá se conformou.
Um dia a fome atingiu a comunidade rastejante. Eram finais de Agosto, as aulas de Fisiologia do ICBAS haviam terminado já fazia alguns tempos e os habituais ratos, ratinhos e ratazanas despojados no contentor mais próximo tinham já sido consumidos, não havendo mais nada para comer.
Enquanto passava, esfomeada, perto do Instituto dos mortos, uma barata mal-intencionada disse-lhe que no ICBAS haviam sobrado ainda alguns animais, guardados já para serem sacrificados (tudo em nome da ciência, é claro!) nas aulas do próximo ano. Um pouco relutante mas impulsionada pela fome de vários dias, Gertrudes entrou no dito Edificío. Estudantes moribundos, gente estranha de bata branca a passear de um lado para o outro, gente estranha sem bata a passear de um lado para o outro, e ratos... nem vê-los. Quando se apercebeu que tinha sido enganada era já tarde demais. À sua volta amontoava-se um bando de humanos barulhentos em pleno ataque de histeria, entre eles um que devia ser o Conan lá do sítio e que, para justificar a fama, não hesitou em pegar numa cabo de vasoura e desfazer a cabeça da grande Besta (10 cm, quando muito). Os outros aplaudiram, viraram costas e voltaram para a sua refastelada rotina. O momento emocionante do dia tinha acabado.
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